quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Entrevista parte IV (última parte)


Uma história interessante nesses (tantos) anos de estrada.

A VERDADEIRA ARTE DE VIAJAR

A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa,
Como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo.
Não importa que os compromissos, as obrigações, estejam ali... Chegamos de muito longe, de alma aberta e o coração cantando!
(Mario Quintana)


Talvez um trecho do "Rock História", quando o personagem Izzy Pepper começa a trabalhar dirigindo um táxi em San Francisco-Califórnia no final dos anos 70.

Conheceu Gary Green num ônibus indo pra escola. O cabeludo de olhos imensamente azuis e chapéu de pele de coelho, estilo David Crockett, bateu os olhos no brasileiro e sentou-se a seu lado pra puxar conversa. Gary vivia numa comunidade hippie a cem quilômetros de San Francisco e como dirigia um yellow cab pelas ladeiras de Frisco, convidou Izzy para se juntar a ele.
A grana era boa, não havia chefe no pedaço e quando tivesse de saco cheio poderia ir pra casa e voltar no dia seguinte. Tirou uma carteira de motorista e se apresentou no escritório da companhia nos arredores da cidade. Depois de um teste fajuto, conseguiu a vaga. O exame foi mole, mas o turno dos novatos era foda. Tinha que estar na garagem antes das oito da noite pra pegar o carro, limpar a sujeira de dentro, encher o tanque e sair pras ruas. Às cinco da manhã voltava pra entregar o táxi pra próxima vítima. Era um pau danado.
Rodava pela cidade de noite caçando passageiros nas portas de hotéis, bares e night clubs. De madrugada recolhia o entulho humano das ruas, devolvendo as suas casas, putas chapadas, bêbados inconvenientes e turistas sonolentos. A galera que desejava uma cama há essa hora carecia de um táxi como um recém-nascido de uma teta. Normalmente educados e cordiais nessas horas os franciscanos se alteravam e muitas vezes partiam pra briga. Por um taxi.
Quem não havia assistido ao filme “Taxi Driver” de Martin Scorcese, com Robert De Niro e Jodie Foster?
Travis Bickle, o personagem de De Niro é um jovem frustrado e mentalmente instável que sofre de insônia e conseqüentemente arruma emprego como taxista na cidade de Nova York para trabalhar no turno da madrugada. Travis passa o seu tempo livre assistindo a filmes pornográficos em cinemas imundos e dirigindo sem rumo pela periferia de Manhattan. Enquanto observa Nova York de seu táxi irrompe com violência contra o que julga ser a escória que contamina a cidade e no processo ainda tenta salvar a personagem de Jodie Foster das mãos de um gigolô.
O roteiro criado por Paul Schrader era impecável, mas hollywoodiano. Em San Francisco a barra se tornava diferente, verdadeira e mais pesada. Assaltos de madrugada eram comuns. Havia casos de taxistas que ao reagir eram esfaqueados por junkies que se arriscavam àtoa tentando levantar uma grana para suprir suas necessidades. Cem duzentos dólares era dinheiro que comprava muita droga.
Apesar de dominar o idioma Izzy ainda não conhecia a cidade bem, muito menos as manhas do trampo e de cara levou alguns beiços. Malandros que desciam do táxi com o pretexto de buscar a namorada e segundos depois desapareciam era normal. Junkies que pagavam uma corrida só para se aplicar, idem. Nessas horas o jeito era abrir a porta e expelir os viciados.
As putas também aprontavam. Pra uma rapidinha ou um boquete, às vezes era mais econômico e seguro dar uma rodada pela cidade ao invés de entrar num muquifo barra pesada e ainda ter de morrer com cinqüenta dólares por um quarto. Com elas Izzy deixava barato e ainda recebia um extra.
Mas também havia casos ingênuos e engraçados. Uma tarde entrou no seu táxi uma hippie chamada Mary Kelly. Boa-praça e extrovertida, ganhava a vida vendendo sanduíches naturais no centro financeiro da cidade. No final do trajeto descobriu que não tinha a grana toda para pagar a corrida e ofereceu uma dúzia de brownies de chocolate e maconha para completar o pagamento. Kelly avisou que era uma receita forte, seria recomendável não comer mais do que um de cada vez. Na hora do almoço Izzy devorou dois e se sentiu bem. Em pouco tempo estavam fazendo efeito. Tudo começou a embaralhar. As luzes dos sinais derretiam a sua frente. Qualquer som de buzina durava uma eternidade, ressoava sem parar como se tivesse um poderoso reverb. Na Rua Market entrou no táxi um iugoslavo de meia idade, com um sotaque tão estranho que era impossível entender o que dizia e muito menos seu destino. O passageiro se encolerizou e começou a falar coisas ininteligíveis no seu dialeto. Parecia um buldogue rosnando. Olhando pra aquela cara redonda e vermelha como uma bexiga de festa de criança, Izzy teve um incontrolável acesso de riso. Chegou a um ponto em que não dava mais. Era uma viagem lisérgica recheada de deboche. Despejou o cara em plena Rua Castro, no coração do bairro gay, e nem se preocupou em cobrar a corrida.
Com o tempo ficou fácil identificar os tipos suspeitos à distância. Daí era só evitá-los antes que entrassem. Depois da primeira semana se habituara às esquisitices do novo trabalho e em um mês já tinha a cidade na palma da mão. Conhecia cada quebrada, viela, botequim, boca de fumo, e principalmente as zonas que deveria evitar. A parte boa era a liberdade que tinha além da grana que entrava todo dia. Ninguém tava nem aí com o que ele fazia durante seu turno. Desde que pagasse a gasolina e o pedágio para usar o carro tava tudo bem. Encontrava-se com Gary Green durante as folgas para beber e relaxar.
A cidade das ladeiras. Dos bondinhos. Dos hippies. Da maior Chinatown fora da China. Dos gays, lésbicas, transgênicos e loucos de todos os tipos é circundada por quarenta colinas, possui uma topografia arrebatadora e cinematográfica. Desde o cinema mudo de Charles Chaplin e Mary Pickford que SanFran é usada como cenário de filmes de diretores consagrados.
O Falcão Maltês (1941), (Vertigo (1958), Os Pássaros (1963), Adivinhe quem vem para jantar? (1967), A Primeira noite de um homem (1967), Bullit (1968), Dirty Harry (1971), Play it again, Sam (1972), American Grafitti (1973), Fuga de Alcatraz (1979), Instinto Básico (1992), Mrs. Doubtfire (1993) e Entrevista com o Vampiro (1994) são alguns exemplos de como uma das cidades mais fotogênicas do mundo parece ser também a favorita dos cineastas
.

Gostaria de dizer alguma coisa aqui para o público do Artheria ou deixar uma mensagem?


Respeitem nosso planeta (é o único que temos pra viver), reciclem, parem de comer carne e calma, violência!

Câmbio e desligo.

[o ARTHERIA agradece a gentileza desta entrevista]

Entrevista parte III

E nesses tantos anos de estrada, o que mais te motivou a continuar sempre confiante?

O que motiva a seguir nem tão confiante como gostaria é simplesmente o fato de que não dá pra ficar quieto ou reclamando de tudo sem fazer nada. Só de estar aqui escrevendo pra você e dando toques e fazendo comentários já é uma coisa positiva ao mesmo tempo em que assisto a evolução da raça humana com preocupação e ceticismo.

O homem está voltando pras cavernas carregando seus notebooks, blackberries e TVs de blu-ray. A Amazônia está sendo destruída para se transformar em pasto, para se criar gado para alimentar a população do planeta, a mesma população que cresce num ritmo igual ao da devastação. Se continuar nessa levada, em 1, 2 [uma ou duas] décadas não haverá tanta fartura e talvez haja até racionamento de carne, e as pessoas não abrem mão disso, do filé, da picanha, do churrasco ‘maledeto’ dos finais de semana.

O Paul McCartney, vegetariano radical, está agora numa cruzada pedindo para que a humanidade deixe de comer carne pelo menos um dia por semana e isso já bastaria para melhorar o equilíbrio ecológico do planeta.

Na última conferência sobre o clima em Copenhague [na Suiça] grupos vegetarianos pareciam ávidos em divulgar a mensagem de que o metano, expelido em grandes quantidades por vacas e outros rebanhos criados pelas indústrias de carne e laticínios, está entre os mais potentes gases do efeito estufa. Mas as virtudes do vegetarianismo como parte do combate à mudança climática estão longe de ser uma questão apenas para aqueles com inclinação espiritual. Muito antes do encontro de cúpula em Copenhague, o aumento da demanda por carne e laticínios, particularmente entre a crescente classe média de países como China e Índia, com economias em rápido desenvolvimento, fez com que os elos entre a mudança climática e a política alimentícia se transformasse em um elemento importante no debate em torno do que fazer a respeito do aumento dos níveis de gases do efeito estufa.

Agora na visão "Mello": o que é música?

Você me pergunta o que é música pra mim e te devolvo o seguinte pensamento: imagine se só houvesse o silêncio, nenhuma nota musical, somente o tenebroso, sombrio, tétrico, triste, lúgubre, nebuloso, secreto, confuso, misterioso, oculto e invisível silêncio. Quem aguentaria?

[pois é, Mello, sem música não dá!I do agree]

Quais foram seus precursores?

O blues dos negros do sul dos EUA, o lamento dos homens que trabalhavam nas plantações de algodão de estados como Georgia, Mississipi, Tennessee e seus vizinhos. Aquilo sim é música feita de sentimento e sem plano comercial.

Alguém na família já aponta a mesma vocação? (risos)

Meus dois netos, Felipe e Mateus, são puro rock'n'roll.